O empreendedorismo articulado da decisão e incerteza
Artigo de César Gomes – gestor de Negócios & Empreendedorismo – publicado no caderno Empreender, do jornal Vida Económica
A visão do mundo actual, na forma como o vemos e interpretamos, assume uma perspectiva cada vez mais complexa e volátil. Essa visão é condicionada por acontecimentos que já não respeitam relações de causa – efeito lineares e emergem simultaneamente a um ritmo acelerado. A informação daí gerada assume um carácter massivo, por vezes impreciso, e a sua propagação em tempo real surge de numa multiplicidade de novas fontes. A sua transformação em conhecimento de base às decisões torna-se por isso, um processo cada vez mais desafiante e complexo.
O contexto em que o empreendedorismo se projecta é, já de si, altamente instável e facilitador do erro de previsão. Mais ainda, o acto de empreender é particularmente vulnerável a essa imprevisibilidade, já que expõe o processo decisório às variáveis de risco, incerteza, inovação, percepção da envolvente e mudança. Perante este cenário, e salvaguardando o risco do empreendedor entrar numa espiral de especulações que redundariam numa paralisia da acção, a solução reside em incorporar o factor incerteza como activo dos resultados da sua decisão.
Para isso, a estratégia empreendedora deve ser construída do ganho marginal de conhecimento obtido da exposição prévia ao mercado das peças nucleares do modelo de negócio, destacadas como experiências laboratoriais. A orientação passa, por exemplo, pelo empreendedor confrontar previamente as entidades reguladoras da envolvente sobre a pertinência e timing adequado do seu negócio; assumir o papel de cliente perante a concorrência e experienciar imparcialmente as possibilidades de diferenciação e vantagem competitiva do negócio; apresentar a potenciais clientes a proposta de valor que pretende fazer valer no mercado e verificar o quanto a valorizam face a propostas concorrentes, e com que frequência de razão; e todas as demais acções que farão “beliscar” o mercado, permitindo incorporar sucessivamente as suas reacções num conjunto testado e articulado de uma unidade de negócio projectada de forma tão blindada quanto possível. Note-se que a acção é anterior e determina a estratégia empreendedora, e não o contrário.
No entanto, ainda que alinhado com os pressupostos apresentados, o empreendedor deverá ter consciência de que o seu plano de negócios estará desactualizado a partir do exacto momento em que foi terminado. A sua validade existe enquanto ponto de partida e documento vivo, orientador mas moldável à mutação inevitável do mercado. A sua construção, ainda que munida de uma estratégia embebida e determinada de interacção prévia, carece da consideração dos resultados verificados após a entrada efectiva do seu modelo de negócio como um todo, no mercado. Neste sentido, a decisão empreendedora deve incorporar orientações de evolução baseadas em cenários de hipóteses, análises de sensibilidade, probabilidade, e árvores de decisão, contrariamente a pressupostos “coeteris paribus” desconexos da realidade actual. A decisão de empreender, ao projectar e incorporar no seu modelo de negócio a incerteza, beneficiará da imprevisibilidade característica da envolvente.
Nas palavras de Louis Pasteur (1) “O acaso favorece apenas as mentes preparadas” e mais do que no século XIX em que foi proferida, esta citação assume as bases incontornáveis da sobrevivência do empreendedor da nova era, a era em que a incerteza é das poucas certezas que existem.
(1) Cientista francês nascido em Dole, 27 de Dezembro de 1822 e falecido em Marnes-la-Coquette, 28 de Setembro de 1895.