Falta de educação trava crescimento do PIB
Todas as semanas os portugueses gastam dinheiro no Euromilhões. São um dos povos da Europa que mais gostam deste jogo que, a troco de ¤2, permite aspirar a ganhar várias dezenas de milhões. Mas este fascínio dos portugueses com o Euromilhões é mais um sintoma das dificuldades dos portugueses com a Matemática.
Afinal, trata-se de uma aposta que, à exceção dos casos em que o jackpot é superior a ¤152,5 milhões – que são raros -, rende menos do que aquilo que custa. Como existem 76,2 milhões de combinações possíveis, o jogador tem uma em 76,2 milhões de hipóteses de acertar na chave vencedora. Se o prémio for de ¤76,2 milhões, o valor esperado (estatístico) da aposta é de exatamente ¤1, ou seja, metade do que custa.
Porque é que os portugueses embarcam nestas apostas? Possivelmente porque sabem pouco de Matemática. Aliás, um artigo publicado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), de Horácio Faustino, Maria João Kaiseler e Rafael Marques, analisava precisamente os fatores que influenciam a maior ou menor propensão para apostar em lotarias e concluía que a educação era um deles.
Mas o investimento no Euromilhões, tão-pouco rentável à luz de critérios estatísticos, não é o único – nem de longe o maior – efeito nefasto do atraso da educação em Portugal. Quem paga anualmente é o produto interno bruto (PIB), que cresce abaixo do que poderia crescer se o capital humano fosse mais valorizado.
Segundo as últimas estimativas de Robert Barro, da Universidade de Harvard, nos EUA, e Jong-Wha Lee, do Banco Asiático para o Desenvolvimento, um ano a mais de escolaridade média representa um ganho no PIB entre 5% e 12%. Os dois economistas estudam há vários anos a relação entre capital humano e crescimento e atualizaram recentemente as suas séries para 146 países entre 1950 e 2010.
Um travão ao crescimento
ara este ano, as estimativas da série Barro-Lee apontam para que a escolaridade média em Portugal, nas pessoas com mais de 25 anos de idade, seja de 7,73 anos, enquanto na União Europeia ronda os 10,5 anos. Se os portugueses tivessem o mesmo número de anos que os seus parceiros europeus, o PIB nacional poderia ganhar entre 14% e 33%.
“O atraso em termos do stock de capital humano em relação à maioria dos países da OCDE tem tido, e deverá continuar a ter, um efeito prejudicial para o crescimento económico”, avisa António Afonso. O professor do ISEG e economista principal do Banco Central Europeu (BCE) reconhece que tem havido melhorias nas últimas décadas, mas lembra que é preciso mais e que “os efeitos só se sentem após uma ou duas gerações”. Afonso acrescenta que, “em termos de competitividade relativa dos recursos humanos, também nos outros países os progressos continuam, o que torna mais difícil a recuperação de Portugal”.
Para Miguel St. Aubyn, que tem estudado o papel do capital humano na economia portuguesa, “a fraca dotação em capital humano de Portugal é uma das principais, se não a principal, limitação ao crescimento económico”. Isto porque, diz o professor do ISEG, capital humano relaciona-se com a produtividade do trabalho e com a capacidade de inovação. St. Aubyn sublinha, no entanto, que “não basta aumentar o número de anos médio de escolaridade”, já que “os fatores qualitativos são muito importantes e um ano extra de escolaridade pode não significar o mesmo em países diferentes”.
João César das Neves, da Universidade Católica, reconhece a existência de problemas, mas lembra que estas estimativas podem ser demasiado redutoras, já que não é “certamente a mesma coisa subir de cinco para seis anos e subir de 11 para 12 anos”. César das Neves reconhece que o atraso na educação foi decisivo em grande parte do século XX mas é hoje muito menos influente: “Hoje o problema já não é de acesso e quantidade de educação, embora ainda existam problemas a esse nível. A questão decisiva está na qualidade e adequação da formação”.
Nuno Crato, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e professor do ISEG, lembra que foram as comparações internacionais que vieram colocar a tónica na qualidade em vez da quantidade: “Enquanto não houve comparações internacionais, como foram o TIMSS e o PISA, os responsáveis da educação negavam a realidade e diziam que tudo estava bem. Enquanto não foram divulgados os resultados das escolas, também se podiam esconder as dificuldades”. (…)
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