As medidas de consolidação orçamental são retroactivas?
Aprovado o conjunto de medidas de agravamento fiscal para reforço da consolidação orçamental, urge fazer um breve balanço antes da sua provável fiscalização, preventiva ou sucessiva.
Em sede de IRS, os rendimentos superiores a 150 mil euros passarão a ser tributados à taxa marginal de 45%. Adicionalmente, é criada uma sobretaxa de 1% (0,58% para 2010) para os escalões com rendimentos colectáveis até 17.979 euros e de 1,5% (0,88% em 2010) para os escalões seguintes.
As mais-valias com a transmissão de partes sociais passam, genericamente, a ser tributadas à taxa de 20% e os rendimentos de capitais à taxa de 21,5%.
No âmbito do IRC, é instituída uma derrama estadual de 2,5%, aplicável sobre o lucro tributável na parte que exceda 2 milhões de Euros.
Ao nível do IVA, a generalidade das taxas é aumentada em um ponto percentual.
É entendimento do Governo que tanto a derrama estadual, como as alterações ao IRS (com excepção das retenções na fonte), reportam os seus efeitos ao início do ano de 2010, com a nuance de que a sobretaxa de IRS terá uma ponderação de 7/12 para o ano em curso, de forma a resultar no referido acréscimo anual de, respectivamente, 0,58 e 0,88 pontos percentuais. Isto como forma de minorar o seu efeito retroactivo, sendo este justificado pela imperiosa necessidade de uma célere consolidação orçamental.
Desta forma, colocam-se diversas questões, designadamente no que toca ao carácter retroactivo, ou meramente retrospectivo, daquelas medidas, situação, no primeiro caso, expressamente contrária à Constituição, assim como o será a aparente violação do princípio da igualdade, dada a atenuação dos efeitos retroactivos apenas no caso das sobretaxas de IRS.
Sendo os factos tributários em sede de IRC e de IRS tipicamente de formação sucessiva, a aplicação das normas tributárias novas só deverá ocorrer sobre os factos verificados no período decorrido a partir da sua entrada em vigor. Em resultado, a aplicação das novas taxas de IRS (novo escalão de 45% e sobretaxas de 0,58 ou 0,88 pontos percentuais) ou da Derrama Estadual (2,5%) e, por maioria de razão, a sujeição a tributação de mais-valias realizadas durante a vigência de outra Lei, levantam sérios, insanáveis dir-se-ia, problemas de conformidade com a Constituição.
Ilustrando que até as sobretaxas com retroactividade “atenuada” padecem do referido vício, veja-se o caso em que os rendimentos do trabalho sejam gerados apenas na primeira metade do ano, sendo tributados de acordo com o novo escalão de IRS e/ou com as novas sobretaxas, tal como o será quem apenas tenha auferido rendimentos do trabalho na segunda metade do ano, no caso primeiramente referido, em manifesta violação das legítimas expectativas do contribuinte e com prejuízo sério da tutela da segurança que lhe é devida.
Por outro lado, a aplicação da ponderação de 7/12 exclusivamente à sobretaxa de IRS peca por falta de coerência, porquanto não se vislumbram diferenças técnicas face à Derrama Estadual e ao novo escalão de imposto, que fundamentem uma opção diversa na defesa da confiança. Mais, como terá ficado patente, o vício de retroactividade não é afastado, mas apenas minorado, com a opção tomada para este caso.
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