Preços de Transferência
O desenvolvimento da estrutura empresarial nacional, que conheceu nos últimos anos um conjunto alargado de aquisições, bem como o crescimento da generalidade do comércio internacional muitas vezes alicerçado em empresas multinacionais, colocou ao Estado um vasto conjunto de desafios no que concerne à legislação fiscal e tributária.
Há, nesta dinâmica, um binómio que é fundamental equilibrar: se por um lado, é fundamental tornar o território nacional atractivo ao investimento externo, evitando desde logo a dupla tributação económica, é também necessário acautelar a receita fiscal, bem como evitar a fraude e a evasão fiscal.
Neste quadro, assumem vital importância os preços de transferência que se encontram consagrados no artigo 63 do Código do Imposto sobre Rendimentos Colectivos (CIRC).
O que são os Preços de Transferência
Os preços de transferência são os preços pelos quais uma empresa transfere bens, direitos ou presta serviços a outra entidade, com a qual esteja em situação de relações especiais.
Porquê os Preços de Transferência
A criação deste conceito visa evitar que determinadas organizações falseiem os preços a que bens e serviços são prestados entre si, sempre que entre as mesmas existam relações especiais, bem como que sejam evitadas transferências internas de resultados, entre sectores pertencentes à mesma entidade mas que possuam regimes fiscais diferenciados.
Efectivamente a aplicabilidade desta temática assume uma vital importância sempre que as organizações contraentes de uma dada operação, possuam entre sí, relações especiais, isto independentemente das organizações serem residentes em território nacional ou não e de serem sujeitas a IRC ou não.
Entidades sujeitas aos Preços de Transferência
O Dossier de Preços de Transferência deve ser apresentado por entidades abrangidas por relações especiais. Consideram-se relações especiais as situações em que uma entidade tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, designadamente:
1. Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
2. Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
3. Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;
4. Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;
5. Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;
6. Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;
7. Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade;
8. Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
O termo “operações” abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objecto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços dentro de grupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes.
Os métodos de cálculo do Preço Transferência
A metodologia a adoptar para a determinação dos preços de transferência assume então uma importância fundamental. Cabe ao sujeito passivo adoptar o método mais apropriado a cada operação ou série de operações. Considera-se como mais apropriado aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação.
Assim, estão disponíveis para uso cinco métodos de cálculo dos custos de transferência:
1. Método do preço comparável de mercado, pode ocorrer quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transacção da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares. Este é o método que requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.
2. Método do preço de revenda minorado, tem como base o preço de revenda praticado pelo sujeito passivo numa operação realizada com uma entidade independente, tendo por objecto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável e com igual nível de representatividade comercial.
3. Método do custo majorado, tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável.
4. Método do fraccionamento do lucro, é utilizado para repartir o lucro global derivado de operações complexas ou de séries de operações vinculadas realizadas de forma integrada entre as entidades intervenientes.
5. Método da margem líquida da operação, baseia-se no cálculo da margem de lucro líquido obtida por uma organização numa operação ou numa série de operações vinculadas tomando como referência a margem de lucro líquido obtida numa operação não vinculada comparável efectuada pelo sujeito passivo, por uma entidade pertencente ao mesmo grupo ou por uma entidade independente.
Documentação para o Dossier de Preços de Transferência
Sempre que sejam calculados preços de transferência, a organização deve dispor de informação e documentação respeitantes à política adoptada na determinação dos preços de transferência e manter, de forma organizada, elementos aptos a provar a paridade de mercado e a selecção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência.
Ficam dispensados do cumprimento desta obrigação as organizações que, no exercício anterior, tenha atingido um valor anual de vendas líquidas e outros proveitos inferior a 3.000.000€.
Para dar cumprimento a esta obrigação, a organização deve obter ou produzir os seguintes elementos:
1. Descrição e caracterização da situação de relações especiais;
2. Caracterização da actividade exercida pelo sujeito passivo e pelas entidades relacionadas com as quais realiza operações e, em relação a cada uma destas, indicação discriminada, por natureza das operações, dos valores das mesmas registados pelo sujeito passivo nos últimos três anos, ou pelo período em que estas tenham tido lugar, se inferior, bem como, nos casos em que se justifique, a disponibilização das contas sociais daquelas entidades;
3. Identificação detalhada dos bens, direitos ou serviços que são objecto das operações vinculadas, e dos termos e condições estabelecidos, quando tal informação não resulte dos contratos celebrados;
4. Descrição das funções exercidas, activos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades relacionadas envolvidas nas operações vinculadas;
5. Estudos técnicos com incidência em áreas essenciais do negócio, nomeadamente nas de investimento, financiamento, investigação e desenvolvimento, mercado e reestruturação e reorganização das actividades, bem como previsões e orçamentos respeitantes à actividade global e à actividade por divisão ou produto;
6. Directrizes relativas à aplicação da política adoptada em matéria de preços de transferência, independentemente da forma ou designação que lhes seja atribuída, que contenham instruções nomeadamente sobre as metodologias a utilizar, os procedimentos de recolha de informação, em especial de dados comparáveis internos e externos, as análises a efectuar para avaliar da comparabilidade das operações e as políticas de custeio e de margens de lucro praticadas;
7. Contratos e outros actos jurídicos praticados tanto com entidades relacionadas como com entidades independentes, com as modificações que ocorram e com informação histórica sobre o respectivo cumprimento;
8. Explicação sobre a aplicação do método ou métodos adoptados para a determinação do preço de plena concorrência em relação a cada operação e indicação das razões justificativas da selecção do método considerado mais apropriado;
9. Informação sobre os dados comparáveis utilizados, evidenciando, no caso de recurso a entidade externa especializada em estudos de mercado, a justificação da selecção, nos casos em que se justifique, a ficha técnica dos estudos e, bem assim, uma análise de sensibilidade e segurança estatística ou, sendo interna a fonte dos dados, a respectiva ficha técnica;
10. Detalhes sobre as análises efectuadas para avaliar o grau de comparabilidade entre operações vinculadas e operações não vinculadas e entre as empresas nelas envolvidas, incluindo as análises funcionais e financeiras, e sobre os eventuais ajustamentos efectuados para eliminar as diferenças existentes;
11. Estratégias e políticas do negócio, nomeadamente quanto ao risco, que sejam susceptíveis de influenciar a determinação dos preços de transferência ou a repartição dos lucros ou perdas das operações;
12. Quaisquer outras informações, dados ou documentos considerados relevantes para a determinação do preço de plena concorrência, da comparabilidade das operações ou dos ajustamentos realizados.
A complexidade técnica e burocrática associada à temática dos preços de transferência reflecte a importância e significância que a mesma pode assumir no seio das organizações. De igual forma, todas as entidades externas começam a canalizar uma maior ênfase nas suas análises para esta temática. Desconsiderar esta temática poderá acarretar de futuro prejuízos muito significativos à generalidade das organizações que detenham relações especiais.