Inovcity não é o Magalhães, mas também quer ir para novos mundos
“Tenho imenso prazer de estar em Évora, porque os Mexias são daqui. Por isso sinto-me em casa”. A afirmação é de António Mexia, presidente da EDP.
A raiz familiar (o seu pai é de Évora) poderia ser a explicação não oficial para o facto de Évora ser a primeira Inovcity em Portugal, uma cidade onde se pretende desenvolver uma rede eléctrica inteligente. Mas na verdade a escolha de Évora teve que ver com o perfil deste aglomerado de 54 mil habitantes.
Em Évora misturam-se o urbano e o rural, os consumidores domésticos e os industriais. E há espaço e potencial para a aposta nas energias renováveis, com destaque para o recurso solar.
Na Cafetaria Vinil, na Praça do Sertório, já há um contador dito inteligente há três dias. Mas a gerente do pequeno estabelecimento diz que ainda é cedo para fazer contas a poupanças. Afinal, o café funciona há menos de um mês. É um dos primeiros pontos de consumo a beneficiar de uma “energy box” e do respectivo sistema de controlo (pela Internet) dos consumos em tempo real.
Como este café, mais de 31 mil pontos de consumo, maioritariamente residenciais, receberão em Évora ao longo dos próximos meses novos contadores. Fabricados pela Janz, irão transmitir ao segundo informação sobre o consumo de electricidade, para um sistema de gestão ao qual estarão ligados 341 aparelhos fornecidos pela Efacec e instalados em cada um dos postos de transformação dispersos por Évora, que tornam a energia recebida em média tensão consumível, em baixa tensão, para a generalidade dos pontos de entrega da cidade.
Ora, o que a aparelhagem fornecida pela Efacec vem trazer a esta Inovcity é também um acréscimo de eficiência. Assim o diz Miguel Stilwell Andrade, administrador da EDP Distribuição. “Não são equipamentos que exijam muita manutenção”, refere, na exígua cave que guarda um dos postos de transformação do centro de Évora. Isso quer dizer que a EDP vai prescindir de parte dos recursos humanos que normalmente fazem o controlo? A resposta vem redonda. “É uma manutenção muito mais focada e mais eficiente”, afirma o administrador da EDP Distribuição.
Na prática, o que as caixas da Efacec (DTC, ou “distribution transformer controller”) fazem é receber informação sobre a energia consumida a cada instante em Évora e sobre a que está a ser produzida. Évora não tem ainda muitos pontos de injecção de electricidade na rede (são cerca de 70). Depois, essa caixa comunica por GPRS com um sistema de gestão da informação. As comunicações são feitas pela rede da Optimus, detalhou o administrador da EDP Distribuição.
Toda esta informação será processada por um sistema que foi montado ao longo dos últimos dois anos pela Logica (antiga Edinfor) e que permitirá ao utilizador final de electricidade monitorizar instantaneamente o que consome (e produz, caso seja um microprodutor) e saber o nível de emissões de CO2 correspondentes a esse consumo.
Mas uma outra funcionalidade da rede eléctrica inteligente (“smart grid” na terminologia anglófona) é permitir que a facturação seja feita pelos valores realmente consumidos, e não pelos estimados, como tem até hoje sido prática na rede da EDP. A sofisticação do sistema permitirá ainda que qualquer mudança de tarifário ou acção de manutenção possa ser feita com o consumidor fora de casa, bastando que tenha Internet por perto.
Admirável mundo novo
Em Évora, o lançamento da primeira Inovcity do país foi rodeado de pompa e circunstância. O primeiro-ministro, José Sócrates, veio lembrar que “a energia é uma área vibrante”, acrescentando que “este é um dos projectos mais inovadores da Europa”. O entusiasmo é partilhado (e dificilmente poderia ser de outra forma) por António Mexia, que manifestou o interesse de levar o projecto para outras paragens.
O presidente da EDP quer aproveitar a operação da Hidrocantábrico (HC Energia) no Norte de Espanha, bem como as distribuidoras da EDP no Brasil, para avançar, no início do próximo ano, com testes lá fora, do género do que será agora feito em Évora.
É certo que o Inovcity não é um Magalhães, mas tal como o percurso do pequeno computador portátil o levou a ambicionar chegar à Venezuela, as intenções dos promotores da rede eléctrica inteligente em Portugal vão também além-mar.
No Brasil, todavia, poderá haver alguns obstáculos. “Temos ainda que verificar a viabilidade de implementar o projecto em algumas regiões específicas”, disse António Pita de Abreu, administrador da EDP que lidera as operações no mercado brasileiro, ao Negócios. E há também a hierarquia de prioridades: o combate às perdas comerciais (leia-se consumidores que não pagam as suas facturas) é um dos problemas imediatos que o grupo está a tentar resolver no Brasil.
Mas, diz António Pita de Abreu, “o Brasil está com um potencial de crescimento enorme e tem muita apetência pela inovação tecnológica”. Será isso suficiente para acolher de braços abertos os projectos portugueses?
O presidente da Efacec, Luís Filipe Pereira, também esteve no lançamento do Inovcity em Évora. E admitiu ao Negócios que “poderá haver uma oportunidade para a colocação [da tecnologia] em mercados externos”. Para este responsável, as mesmas caixas que a Efacec está a instalar na “smart grid” portuguesa poderão ter mercado para crescer na América Latina e em África.
No lançamento da Inovcity de Évora, o presidente da EDP, António Mexia, assinalou que “a energia tem a ver com grandes opções mas também com pequenos gestos”. E quanto a gestos, do primeiro-ministro houve simpatia para com o trabalho desenvolvido pela eléctrica nacional. “O mérito é da EDP na liderança e na ambição”, correspondeu José Sócrates. E a caravana, liderada por Sócrates, seguiu então para almoçar.