Constâncio, Cavaco e Trichet contra grandes obras de Sócrates
O plano de grandes investimentos defendido com unhas e dentes pelo primeiro-ministro José Sócrates tem um novo rival declarado: Vítor Constâncio, o governador do Banco de Portugal. E outro, mais envergonhado: Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu. As críticas recentemente feitas por Aníbal Cavaco Silva, o Presidente da República, ganham assim corpo, depois de o tema ter esfriado a relação entre o primeiro-ministro e Fernando Teixeira dos Santos. Pressionado pela urgência de reduzir o défice público e de travar o endividamento do país, o ministro das Finanças admite que alguns dos investimentos projectados, sobretudo os de maior envergadura, tenham de ser reavaliados, concordando assim com os recados de Cavaco sobre a matéria. Sócrates, que não tem de ir ao Ecofin nem de responder directamente pelas finanças do país, fez questão de falar por cima dos dois quando, na sexta-feira, afirmou que rever o plano de investimentos públicos é “uma fantasia que não tem a menor correspondência com a realidade”.
A questão, muito polémica numa altura em que a economia se tenta agarrar a esses grandes investimentos (TGV, estradas, aeroporto) como a última saída para se afastar de vez da recessão, criar (ou salvar) empregos e aproveitar os fundos europeus previstos para o efeito, voltou à ordem do dia. Na sequência dos ataques cerrados dos mercados e de muitos comentadores internacionais à qualidade da dívida pública portuguesa, no fundo ao bom nome do Estado português como pagador, ganha força a corrente de que o melhor para a saúde da economia é deixar cair a procura interna (que seria dinamizada pelas grandes obras), recuar no acesso ao crédito e apostar mais na via das exportações, reduzindo custos, injectando mais tecnologias e estagnando salários para aumentar a competitividade.
Se o dinheiro escasseia ou é demasiado caro, não faz sentido embarcar em projectos grandes, dizem os defensores da disciplina financeira. É o caso dos banqueiros centrais que ontem reuniram em Lisboa para decidir sobre as taxas de juro [que ficaram num mínimo de 1%, pelo 13º mês consecutivo]. Nesse sentido, Constâncio não perdeu a oportunidade de apoiar Teixeira dos Santos, o ministro que dá a cara pelo plano de redução do défice – dos actuais 9,4% do produto para menos de 3% em 2013.
Em declarações à Antena 1, o futuro vice-presidente do BCE (assume a 1 de Junho) disse ser “evidente que na situação de tensão e dificuldades financeiras, tudo tem de ser ponderado” e que, portanto, “acharia normal” que projectos que significam um aumento de despesa, como as obras públicas, tenham de ser revistos. O ainda governador do Banco de Portugal considera que “tem de se reforçar o Programa de Estabilidade e Crescimento, tem de se reduzir mais o défice e se isso implicar o adiamento de despesas para o futuro, com certeza que vai nessa direcção”.
O discurso de Trichet, ontem à tarde no Centro Cultural de Belém, bate no mesmo ponto. Ladeado por Vítor Constâncio e por Lucas Papademos, o vice-presidente da autoridade europeia que será substituído pelo português, Trichet frisou que não existem soluções rápidas para que os países se livrem dos maus tratos a que alguns (como Grécia e, mais recentemente Portugal) têm sido sujeitos nos mercados de dívida pública. O remédio é o de sempre: cortar no défice, aprofundar as reformas estruturais no sentido da maior eficiência e flexibilidade dos vários mercados (produto, laboral), abrir a economia à concorrência global, disciplinar salários e preços de uma forma transversal. E fez questão de enfatizar que vai ser preciso que os países (Portugal sobretudo) tomem ainda mais medidas para cortar no orçamento e cumprir com aquilo que, a seu ver, é o Santo Graal da união monetária: o respeito pelo limite de 3% que vem no Pacto de Estabilidade.
Em entrevista à RTP, Trichet iria mais longe: “Portugal não tem tempo para complacências” e “todos temos de convencer famílias, empresários e investidores de que estamos a fazer o que é necessário” para inverter a espiral de endividamento.
Cavaco também já tinha aberto fogo sobre o keynesianismo de Sócrates que, supostamente, perpetua o modelo de crescimento a crédito: “Eu entendo que faz sentido reponderar todos aqueles investimentos, públicos ou privados, na área dos bens não transaccionáveis, que tenham uma grande componente importada, isto é, que utilizem pouca produção nacional e que sejam de capital intensivo, ou seja, que utilizem pouca mão-de-obra portuguesa”, afirmou o Presidente.
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