A culpa é do futuro
Mais do que para os mercados, mais do que para os nossos parceiros europeus, mais que um qualquer ataque especulativo, o que está em causa é a nossa capacidade de enquanto comunidade conseguirmos levar a cabo reformas que nos permitam olhar para o futuro com alguma confiança.
Nem os mercados, nem, sobretudo, nós podemos ter confiança num país em que a justiça não funciona. Não é possível criar dinamismo económico quando um fornecedor não tem a mínima garantia de receber o seu crédito em tempo útil. Em que o responsável máximo da acção penal não tem efectiva capacidade de direcção sobre os seus colaboradores. Em que existem sindicatos de juízes e magistrados do Ministério Público que se comportam como defensores de interesses corporativos e não como auxiliares da justiça.
É quase impossível criar riqueza enquanto as empresas estiverem asfixiadas pela burocracia e enquanto o Estado se comportar não como um aliado mas como um inimigo, constantemente a alterar as regras do jogo e sendo muitas vezes árbitro e jogador ao mesmo tempo.
Enquanto as empresas estiverem dependentes do Estado para fazer negócios, o mercado nunca funcionará de forma transparente. Não interessa, nesta altura, se são os empresários que gostam do Estado se é o Estado a querer interferir nas empresas. O facto é que esta promiscuidade destrói valor.
Só não vê quem não quer que o modelo económico em que o Estado é o “grande irmão” da economia nos levou ao actual estado de coisas. Essa forma de actuar politicamente, em Portugal, está mais que testada e, pura e simplesmente, não resultou.
Quem é que pode acreditar num mercado onde as empresas não podem decidir, a cada momento, quem são as pessoas que devem ou não estar no seu quadro de pessoal? Será que não queremos ver que a precariedade está fundamentalmente ligada ao facto de não se poder despedir? Que enquanto esta legislação laboral se mantiver estamos a criar um exército de gente – sobretudo jovem – a recibo verde?
Sejamos absolutamente claros: a nossa lei laboral é também responsável pela falta de competitividade das nossas empresas e pelos baixos níveis de investimento em formação das empresas.
Não teremos gente disponível a arriscar enquanto os empresários forem vistos como uma espécie de abutres a quem devem ser criadas todas as dificuldades possíveis e imaginárias em vez de criarmos condições para que seja mais compensador criar uma empresa do que ir trabalhar por conta de outrem.
Não se cria riqueza sem investimento, e a nossa fiscalidade não tem ajudado, pelo contrário. E, por favor, ninguém venha com a desonestidade intelectual de dizer que a nossa carga fiscal está alinhada pelo resto dos países europeus. Não se compare o incomparável. Fazer que as nossas empresas paguem os mesmos impostos que as empresas europeias é ignorar o estado de desen- volvimento da nossa economia, é comparar países com um tecido empresarial forte e consolidado com um país com décadas e décadas de medidas destinadas a não promover o investimento.
E não é só a questão de as taxas serem demasiado altas, é o autêntico labirinto fiscal que só meia dúzia de especialistas entende.
E durante quanto mais tempo vamos ser obrigados a suportar uma lei do arrendamento que não só é socialmente injusta como obrigou uma inteira geração a comprar casa limitando-lhe a mobilidade, as perspectivas e a capacidade de decidir como e quando investir na própria habitação ?
Todas as crises, especialmente esta, causam graves problemas às populações e são particularmente penalizadoras para os mais carenciados.
Já todos conhecemos a história dos pedidos certos de sacrifícios presentes para eventuais benefícios no futuro – sempre a merda do futuro, dizia José Mário Branco no tema FMI.
Se esta crise conseguir consciencializar os portugueses e os agentes políticos de que temos de mudar de rumo e que não serão medidas conjunturais que alterarão o estado de coisas; que umas possíveis esmolas europeias apenas atrasarão uma nova violenta crise daqui a um par de anos; se tivermos coragem de mudar, este terrível momento da nossa história pode ser o início de um novo ciclo.
Há, no entanto, algo que temos de interiorizar. A culpa do actual estado de coisas não é dos mercados, do euro ou das agências de rating. Não, a culpa é nossa. Somos nós e só nós os responsáveis pelo que está a acontecer.