A empresa: mercado ou comunidade?
Um debate sobre a natureza da empresa tem estado em curso. O tema: serão as empresas mercados internos ou comunidades de trabalho? A questão é relevante e tem claras implicações para a prática da gestão.
De um lado surge o argumento de que as organizações devem ser entendidas como mercados internos. A justificação é simples. As empresas têm quantidades escassas de recursos. As pessoas competem por esses recursos (poder, dinheiro, prestígio, promoções). Os melhores ganham e são recompensados. Os menos capazes perdem. Resta-lhes melhorar ou sair. Desta forma, a organização estimula a meritocracia e aumenta as suas próprias possibilidades de sucesso. Na ausência desta lógica, os melhores e os piores não são distinguidos. Os incentivos dos melhores para manterem o esforço diminuem e a empresa acaba vítima de uma cinzenta mediocridade.
A perspectiva alternativa considera a empresa como uma comunidade humana. Uma empresa é um conjunto de pessoas com um propósito comum. Esse propósito, que as une, deve ser mais forte que a competição interna, que as divide. Ele alinha os seus esforços, cria a noção de que todos estão no mesmo barco e sustenta a vontade de ajudar e cooperar. Na ausência de um sentido de comunidade, a empresa pode tornar-se uma arena política. Quando assim acontece, os falcões prevalecem. Ganham os que atacam de forma mais certeira. O interesse em cooperar diminui. As pombas são sacrificadas e a organização pode intoxicar-se de competição.
É relativamente fácil criar empresas que são só comunidades ou apenas mercados. As primeiras constroem-se com uma cultura forte e igualitária, onde não há espaço para individualistas. Os mercados criam-se com sistemas de gestão de desempenho que discriminam os melhores e os outros e que recompensam os bem sucedidos, penalizando os mais fracos. O problema é que cada uma destas soluções tem uma limitação: a falta da outra dimensão. Os mercados precisam de um certo sentido de comunidade, da mesma forma que as comunidades precisam de processos de mercado. Uma comunidade excessivamente protectora estiola. Asfixia-se na semelhança e na falta de dissensão e de diversidade. Torna-se excessivamente vulnerável ao ataque dos falcões. O mercado sem comunidade resulta na bem conhecida selva corporativa, onde os falcões se arriscam a matar-se uns aos outros.
Como ultrapassar este dilema? Uma possibilidade: ver o mercado e a comunidade como duas partes de um mesmo processo, e não como opostos inconciliáveis. Nesta perspectiva, a empresa é uma comunidade de pessoas que competem até certo ponto e de acordo com regras claras. Há uns que contribuem mais e recebem mais, mas evita-se que uns ganhem muito quando outros perdem muito. A competição é temperada pela cooperação. A lealdade é premiada. Os sacrifícios, quando necessários, são de todos.
Podíamos ir buscar exemplos desta dualidade aos EUA, mas parece haver um caso aqui mais perto, na empresa de rolamentos Schaeffler, nas Caldas da Rainha: quando aplicou um “lay off”, a empresa não o limitou ao pessoal da produção. Ele abrangeu toda a gente, incluindo a administração e os administrativos. Quando as encomendas voltaram, a comunidade reagrupou-se rapidamente para responder ao mercado. O exemplo está dado. Resta aplicá-lo. O que, parecendo difícil, não é nada fácil.
A sua empresa tem espírito de comunidade?
Num “working paper” da Universida-de de Stanford, Jeffrey Pfeffer apresenta seis dimensões características das organizações com espírito de comunidade: A empresa tem políticas para apoiar empregados em situação de necessidade? Oferece benefícios e assistência consistentes? Os relacionamentos/casamentos entre empregados são aceites sem problema? A empresa promove e patrocina eventos sociais? Existe preocupação com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal? É legítimo esperar uma relação de emprego de longa duração?
Quanto maior o número de respostas afirmativas, maior a lógica comunitária. Para aprofundar o tema, consultar: Pfeffer, J. (2005). Working alone: What ever happened to the idea of organizations as communities. Working paper 1906, Stanford Graduate school of Business.
Miguel Pina e Cunha
Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa