Segunda, 25 de Novembro de 2024 Adrego & Associados – Consultores de Gestão

O preço do dinheiro

Numa altura em que é por demais evidente a escassez e carestia do crédito a PME, o Governo multiplica as iniciativas conducentes a aliviar esta importante restrição à actividade económica. Nalguns casos estamos perante medidas corajosas e com alguma eficácia (linhas PME Investe e reforço da Garantia Mútua) e noutras criando incentivos perversos e perturbadores dos interesses da economia e do Estado (abertura de subsídios a empresas com dívidas ao Fisco). Contudo, independentemente das medidas avulsas que vão sendo tomadas, vale a pena perceber que estamos perante um problema estrutural profundo e de carácter durador.

O preço do crédito depende do custo do risco (ou seja da perda esperada que o banco terá na operação), do custo do dinheiro e do custo de todos os outros factores utilizados no serviço prestado aos clientes. O risco acaba por ter dois impactos: um relativo à perda potencial propriamente dita e outro relativo à cobertura da mesma por Fundos Próprios da Banca. Estes, claramente a fonte de fundos mais cara para um banco, são utilizados no financiamento do crédito numa proporção do mesmo que é função do risco tomado.

Infelizmente, conjuga-se à nossa volta um conjunto de factores que irão agravar a maioria dos elementos que determinam o preço e escassez do crédito. Alguns são de natureza doméstica, como seja a indisciplina das finanças públicas portuguesas e sua repercussão no financiamento dos bancos. Outros, principalmente associados à criação de uma nova ordem regulatória financeira, são de natureza global.

A regulação financeira global que começa a desenhar-se pode não ter os detalhes definidos mas tem um contorno bastante claro: os bancos vão ser obrigados a aumentar a cobertura de crédito por Fundos Próprios e a manter rácios de liquidez mais apertados. Ambos os factores vão obrigá-los a utilizar uma maior percentagem de fundos de mais longo prazo, cujo custo excede largamente a Euribor, a taxa de curto-prazo. Ou seja, este maior rigor na gestão de risco vai traduzir-se em aumento do custo do dinheiro utilizado no financiamento do crédito, o qual acabará naturalmente por ser pago pelos devedores.

Vejamos agora os factores de ordem doméstica. A situação da economia portuguesa tem vindo a ditar um aumento do risco das empresas portuguesas. E por essa via, os bancos são obrigados a repercutir esse custo sobre o preço dos créditos e a aumentar a respectiva cobertura com fundos próprios, de que resulta igualmente um acréscimo de custo também repercutir. Os problemas com o rating da República estão a começar a afectar a capacidade de financiamento dos bancos: o mercado de obrigações não se lhes encontra fechado, mas as condições em que são obrigados a emitir têm sido cada vez mais penalizadoras. Ninguém tem dúvidas de que a banca portuguesa tem um nível de risco bastante controlado, em nada comparável com o que assistimos na Grécia ou nos grandes bancos internacionais. Mas é hoje internacionalmente afectada por “um risco país” que resulta da nossa imagem financeira externa, determinada em grande medida pelo comportamento do Estado. E por ser portuguesa, numa altura como a actual, o dinheiro custa-lhe cada vez mais caro. E custa-lhe substancialmente mais do que o dinheiro “comprado” por bancos alemães ou franceses.

Portanto, para as PME e outras empresas, assim como para os particulares, há que ganhar a noção de que a indisciplina financeira do Estado a que temos assistido vai implicar menos crédito, e mais caro. E não vale a pena dizer mal dos bancos: desta vez, eles não passam de mais um portador das más notícias habituais. As medidas do Estado para o facilitar o acesso ao crédito não passam de um pequeno paliativo, aliás pago pelos contribuintes. E como tal, pesam no Orçamento, constituindo mais um contributo para o agravamento do “risco país”. Portanto, para ajudar as PME, nada teria sido melhor do que, na altura certa, ter mantido as contas públicas em ordem.

Paulo Pinho
Professor Universitário

in Jornal de Negócios online