“Há uma falta de empreendedorismo avassaladora no Ribatejo”
O ribatejano António Marques é desde 2002 presidente da Associação Industrial do Minho. Em Braga, elogiou o trabalho da Nersant, considera que a cultura marialva do ribatejano não favorece o empreendedorismo e diz que há falta de profissionalismo em algumas empresas da região. Defende que os últimos governos desvalorizaram a agricultura mas que vamos precisar dela “como de pão para a boca”.
Que análise faz do desenvolvimento económico do Ribatejo?
É um desenvolvimento sofrido. Ao contrário do Norte e de outras zonas do país, é marcado por uma falta de empreendedorismo avassaladora. Há associações empresariais, como a Nersant, e algumas autarquias que têm feito um esforço notável para contrariar essa tendência. Não há uma cultura de empreendedorismo e de risco. Falta organização a muitas empresas que conheço e isso reflecte-se na falta de produtividade e competitividade. Muitas vezes confunde-se trabalho com “amiguismo”…
Será falta de profissionalismo?
Noto isso em muitas das pequenas e médias empresas da região. Na ideia marialvista dos ribatejanos está também uma das explicações. O marialva não divide responsabilidades, não reparte dificuldades nem partilha êxitos. Está habituado a comandar tudo e a chegar lá sozinho. Quando isso acontece não há trabalho de equipa. Hoje em dia, quando queremos fazer negócio, é essencial ouvir várias opiniões. Esta matriz cultural marca-nos e reflecte-se nas empresas. Ser empresário é alguém que arrisca e que neste mundo difícil dos negócios consegue perceber as incertezas.
O que pode ser feito para alterar essa realidade?
A Nersant e algumas câmaras têm tentado em vários sítios, como Rio Maior, Torres Novas ou Santarém, convocar os empresários para estas novas temáticas como a inovação, o empreendedorismo e a organização empresarial. Acho que é acelerar um pouco esse processo. Todas as autarquias e entidades têm de perceber que é decisivo para o desenvolvimento regional o desenvolvimento empresarial, pois só assim se cria riqueza e emprego.
Em que áreas é que se devia apostar?
Vamos precisar da agricultura como do pão para a boca. Não instalava numa pequena aldeia ou vila uma empresa de novas tecnologias. Apostava antes em aportar a inovação para sectores tradicionais como a agricultura. Penso que devíamos intervir com políticas públicas, desde logo na educação. Hoje ser agricultor é uma coisa mal vista, como ser pedreiro ou picheleiro. São profissões que identificamos como sujas e que o país não sabe valorizar. As políticas públicas deviam explicar e desenvolver uma acção de marketing sobre as velhas/novas profissões.
Mas isso já não é feito?
É. As pessoas é que não querem. Mas temos de insistir. No dia em que for fashion dizer que um electricista ganha duas vezes mais do que um professor, que é sexy ser-se picheleiro, trolha, ou agricultor, de certeza que os jovens vão por aí. Criou-se uma ideia livresca e errada de que ser licenciado e ter um “dr” é que é sexy e fashion. Hoje há milhares de pessoas formadas sem adequação para aquilo que o país e as regiões precisam. Aprender a gostar ensina-se e faz parte da educação. É preciso incutir a ideia de que a agricultura não é uma actividade menor. Depois, a política pública devia ajudar a pôr no trilho a comercialização, fazendo com que o produtor ganhasse um pouco mais no sentido de o incentivar a continuar. Isso traria outras vantagens.
Tais como…
Uma pequena empresa agrícola, além do marido, da mulher e dos filhos, podia ir buscar mais meia dúzia de pessoas. Isso ajudaria a resolver o problema do desemprego. Hoje a agricultura bem feita, que tenha capacidade de gestão e um conceito idêntico a qualquer outra empresa, é um negócio rentável. E ao mesmo tempo estávamos a evitar as importações. Para equilibrarmos a balança de transacções correntes o ideal era importar menos. Devemos manter e potenciar o que temos em termos industriais e apostar na agricultura que é o que de melhor se faz no Ribatejo. Porque não levamos para a agricultura tradicional a agricultura biológica? Temos de arranjar forma de exportarmos mais. Isso faz-se com políticas públicas.
Acha que as actuais não estão adequadas à realidade?
Li que o Ministério da Agricultura tem mais funcionários do que agricultores existentes em Portugal. Acho que a tutela e os sucessivos governos não resolveram o problema do abandono do sector. É verdade que é um sinal dos tempos. Mas não podemos terminar com a agricultura. Os políticos deviam olhar de forma mais profissional e inovadora para o que se faz lá fora. Espanha exporta muito na área agrícola. Nós não o fazemos porque as políticas públicas não ajudam.
Como assim?
Não se pode continuar a dar apoios aos agricultores sem sermos mais exigentes. Os incentivos devem ser mais substanciais mas mais responsabilizantes, para que as pessoas possam mudar a sua forma de encarar o sector. A agricultura é um negócio. Os governantes não têm olhado atentamente para a agricultura porque esta não tem tido a força necessária para impor regras de funcionamento ao governo. A indústria, nomeadamente os serviços e agora o turismo, são aqueles que têm tido mais expressão. Mas penso que chegou o momento de olharmos para a agricultura de forma diferente e inovadora.
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in O Mirante.pt