Francisco Maria Balsemão: “Governo devia repensar os timings do TGV e do novo aeroporto”
Para o presidente da Anje o desemprego vai continuar a subir até meados do ano, mas mostra-se optimista ao acreditar que a crise já passou. Francisco Maria Balsemão defende que as empresas que possam fazer aumentos devem fazê-lo, mas de uma forma gradual. Ou seja, subir mais quem ganha menos.
O Governo já apresentou a proposta do Orçamento de Estado para 2010. O que acha?
O ponto fulcral é como se consegue equilibrar as finanças públicas? Consegue-se gerindo melhor e reequacionando os investimentos púbicos que estão a ser feitos. É certo que estes geram emprego e o país precisa de progredir, mas nesta fase, sobretudo quando temos a União Europeia em cima de nós por causa do défice – é verdade que não somos os únicos, há quem esteja pior – há determinados investimentos que têm de ser repensados. Não digo que deva haver um congelamento do TGV e do novo aeroporto, mas devia existir, pelo menos, um repensar dos timings do investimento e da própria solução.
E por quanto tempo?
Tem de ser tudo muito bem pensado. Defendo planos B e C, se calhar até se pode chegar à conclusão que o plano A é melhor. Sei que já se fizeram muitos estudos da parte técnica ao nível do novo aeroporto, mas se calhar era preferível ter alguma noção do que pode ou não ser adiado. Além disso, não se sabe qual vai ser o modelo, se vão ser os privados a fazer. Ou sejam há no fundo um conjunto de parâmetros e de variantes, como aconteceu com a construção das pontes sobre o Tejo, que pode tornar a equação mais confortável para os cofres do Estado.
Há outra questão que se coloca no Orçamento que são as privatizações. Por um lado, permitem um encaixe para o Estado e sobretudo torna o peso deste cada vez mais baixo. O Estado tem um peso enormíssimo quer no que tem em termos de sector empresarial, quer na influência que tem em empresas privadas. Tudo isto, tornaria o Estado menos jogador e mais árbitro.
Defende a privatização de que empresas?
Porque não a TAP? Não vejo porque é que a TAP não pode ser privatizada, ou pelo menos, parcialmente privada. Pode-me dizer que é difícil obter lucro na actividade aérea e que há muito poucas empresas que o sejam, mas se houver interessados porque não? É óbvio que há serviços de transportes complicados de privatizar, como é o caso da Carris ou de outras empresas de transportes públicos, em que há um ponto de vista social importante. Nestes serviços mais sociais essa privatização nunca poderá ser total, pelo menos o Estado tem de ter uma supervisão mais apertada, mas para isso é que há reguladores e instituições que regulam essas actividades. Quando se privatiza uma empresa há um maior encaixe, há um maior alívio em termos de influência do Estado na economia e depois de privatizado esse negócio, teoricamente será mais bem gerido e permite um maior retorno para o Estado porque pode gerar mais impostos.
Congelar os salários da função pública é um mal necessário?
Sim, mas também temos de ver o que aconteceu no ano passado, houve um aumento muito acima do normal e que acabou por corrigir os não aumentos dos anos anteriores. Além disso, estamos com um nível de inflação praticamente nulo, normalmente os salários são aumentados para corrigir esse efeito. Já ao nível dos privados, as empresas que podem devem fazer aumentos. Por uma questão de justiça, o que faz mais sentido é que haja aumentos percentuais maiores para quem ganha menos e não aplicar um aumento de x por cento a toda a gente. Por exemplo, quem ganha mil euros deve ter um aumento percentual maior do que quem ganha dois ou três mil euros. Se calhar, a partir de um determinado nível de ordenado o aumento deve ser zero.
Uma das soluções não passaria por uma redução da função pública?
Sim e para isso voltaríamos à questão dos serviços que podem ou não ser privatizados. Há serviços com pessoas a mais e há outros com falta de pessoal. Podia haver uma maior reflexão nesta compensação. Podia-lhe dizer do pé para a mão que o Estado tem gente a mais, mas mais grave do que isso é esta tal descompensação e, por isso, a função pública não estar a ser optimizada.
Como vê o aumento do desemprego?
O desemprego vai infelizmente subir um bocadinho, mas provavelmente em meados do ano vai começar a inverter essa tendência. Não pode haver logo uma travagem, é como aqueles velhos barcos que depois de terem o motor desligado ainda continuam a andar.
Corremos o risco de atingir números como se verificam em Espanha?
Espanha tem mais um problema estrutural, devido ao emprego informal e da economia paralela. Há muitas pessoas inscritas nos centros de emprego – cerca de 20% – mas há uma boa parte dessas que têm outras ocupações e outros rendimentos na tal economia paralela. Se vamos chegar a esse nível? Acho que não. Ao contrário da Alemanha e da França, a Espanha vai ser dos um países que vai sair mais lentamente da crise. Para Portugal é dramático, porque é o nosso principal destino das exportações e há uma grande dependência do mercado ibérico. Se Espanha tem um problema então nós temos um problema ainda maior.
Daniel Bessa disse recentemente que Portugal teria de abandonar o euro se continuássemos com as nossas fragilidades e com um tecido empresarial pouco competitivo…
Agora é difícil voltarmos a atrás. Daniel Bessa tem razão no sentido de termos de ser mais competitivos, de exportar mais, de internacionalizar mais e ganhar quota de mercado no exterior. Acredito que a ideia foi mais de agitar, provocar uma reacção e pôr as pessoas a pensar.
Uma das grandes apostas da Anje tem sido a defesa do empreendedorismo. É uma palavra que entrou em moda?A Anje já tem praticamente 25 anos de história e foi a primeira associação a falar do empreendedorismo como um modo de vida e uma atitude perante a vida. O que temos tentado ao longo destes anos é fazer chegar este conceito a camadas mais jovens da população e a outros segmentos profissionais. Estamos a falar desde o microcrédito, até micro-empresas, empresas médias e grandes empresas. Até quem trabalha na função pública pode ser empreendedor. Um empreendedor não precisa de ser um empresário, todos nós podemos ser empreendedoras nas nossas profissões.
A crise financeira e a restrição do crédito por parte dos bancos não representaram um entrave à criação de novos negócios?
O crédito está muito mais apertado, mas também há uma maior necessidade de criar emprego através da criação de pequenos negócios para fazer face ao desemprego. À medida que as pessoas vão sendo confrontadas com essas situações começam a pensar mais seriamente em auto-empregar-se.
O Governo deveria dar maior apoio na criação de novas empresas em vez de apoiar as que já estão em risco?
Não podemos condenar sectores à partida, se as empresas não forem bem geridas mais tarde ou mais cedo definham e morrem. O que é importante é que esta crise não faça esmorecer potenciais novos empresários. A nossa questão não é que haja ou não apoios, mas sim que haja apoios mais fortes nesta fase mais complicada. Têm de existir apoios para os negócios que já existem, cujas actividades têm de ser ampliadas, seja ao nível da exportação, seja ao nível da internacionalização. No meu entender a crise já passou, podemos é não estar com grande crescimento, mas o cabo das tormentas já foi ultrapassado.
Os apoios que existem são suficientes?
Historicamente tem existido sempre linhas de apoio, quer ao nível da criação de empresas, quer na sua liquidez. Por exemplo, saiu agora mais um pacote do PME Investe que está mais relacionado com o controlo do desemprego.
O anterior presidente da ANJE avançou com uma proposta para a criação de um subsídio de desemprego para os empresários. Como está este processo?
Ainda não avançou. A lógica é mais de justiça, pois estamos a falar de micro-empresários. Por exemplo, tenho um restaurante dou emprego a duas ou a três pessoas, quando as coisas correm mal e o restaurante tem de fechar, os empregados têm direito a subsídio de desemprego, mas o empresário não o tem. Achamos que para esse tipo de negócios é justo que haja qualquer tipo de apoio, senão as pessoas ficam completamente desamparadas.
É um assunto para retomar nesta nova legislatura?
Sim, já houve outras organizações a defenderem este assunto e o Governo está a tentar acomodar estes anseios.
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