Segunda, 25 de Novembro de 2024 Adrego & Associados – Consultores de Gestão

“Para acalmar os mercados são precisos factos, não discursos”

Numa altura em que os mercados internacionais mostram cada vez menos confiança nas obrigações do Estado português, Vítor Bento, actual presidente da SIBS, explica o que é preciso fazer. E volta a defender que uma política de austeridade orçamental é inevitável.

Não é um exagero dos mercados o que tem estado a acontecer com a dívida pública portuguesa? De repente parece que todos começaram a acreditar que um default da República Portuguesa é um cenário provável?

É normal que o ajustamento dos mercados, em períodos de turbulência e incerteza, envolva fenómenos de sobre-reacção face ao que acabará por se revelar a tendência desse processo de ajustamento. E, depois, o que os mercados estão a incorporar não é a possibilidade de default; é um aumento, por enquanto marginal, da probabilidade desse evento. Ora, quando uma probabilidade passa de 5 para 10 por cento, ela duplica, mas não deixa de continuar relativamente baixa. Estes valores são apenas um exemplo teórico, mas julgo que é isso, basicamente, o que se tem estado a passar.

Mas teme que esta sobre-reacção dos mercados possa tornar um problema que é grave numa situação mais difícil ainda, com um verdadeiro risco de default?

Um risco destas situações é que, por vezes, os mercados podem resolver testar a determinação dos Governos em lidar com ela e agravar, por via da especulação, os custos com que estes têm que se confrontar. Por isso é que é importante agir rapidamente para sair do foco das atenções mais imediatas. Foi o que fez, por exemplo e com sucesso até agora, a Irlanda.

Já foi presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público. No curto prazo, o que é que Portugal precisa de fazer para acalmar os mercados?

A minha experiência relevante para este caso é, mais do que a que tive à frente da gestão da dívida pública, a que tive na gestão das crises cambiais do Sistema Monetério Europeu, no Banco de Portugal, e na vivência de outras crises semelhantes, noutras posições. E o que essa experiência me ensinou é que a única forma de acalmar os mercados é apresentando-lhes factos. As reacções discursivas só tendem a ser eficazes se forem suportadas em factos que as validem e credibilizem. De outro modo, podem tornar-se contraproducentes, porque podem ser vistas como sinais de fraqueza.

Na actual situação, o que é que isso significa?

No caso concreto, julgo que o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) poderá ser, pelo menos, um instrumento fundamental para serenar a ansiedade dos mercados.

As reacções dos membros do Governo – criticando as agências de rating e afirmando que Portugal é agora a presa dos mercados – parecem-lhe adequadas?

Não me quero pronunciar sobre casos concretos.

Que outro tipo de acção pode ser benéfica?

Também ganharíamos pontos importantes se mostrássemos um reforço das nossas instituições na área das finanças públicas. Refiro-me concretamente à criação de uma entidade autónoma e independente do Governo para monitorar as contas de todo o sector público, incluindo empresas públicas e PPP, fazer projecções macroeconómicas e avaliar os grandes projectos de investimento. Como, aliás, aconselhou recentemente o FMI.

Mas não existe já a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), no Parlamento?

A evolução de uma tal entidade a partir da actual UTAO – que tem prestado um bom serviço ao Parlamento e ao país – seria uma possibilidade, entre outras. Mas, nesse caso, essa entidade teria que ser reforçada no seu âmbito, nos seus recursos e na sua autonomia.

Considera importante um acordo político nestas matérias?

Acho que deveríamos ser capazes de concertar politicamente, e conciliar entre si, uma solução que envolvesse dois braços. Primeiro, um programa de ajustamento dos desequilíbrios económicos e financeiros que estão a constranger o nosso potencial de crescimento. Segundo, um quadro de referência estratégico do país, destinado a assegurar um maior potencial de crescimento a longo prazo e que incorporasse uma visão para Portugal e objectivos para um horizonte de médio e longo prazos, consistentes com essa visão.

Mas vê a possibilidade desse tipo de convergências?

Eu mantenho sempre um capital de esperança de que as soluções necessárias acabem por se encontrar.

A discussão da Lei das Finanças Regionais não parece apontar nesse sentido…

Sou dos que têm dificuldade em compreender a oportunidade desta discussão neste contexto. Mas prefiro não acrescentar mais ruído à volta desta questão.

A política de austeridade que defende não corre o risco de baixar cada vez mais as expectativas e deprimir a procura, colocando Portugal sob a ameaça de uma espiral deflacionista?

Uma política de austeridade será não só indispensável como incontornável, pois não é possível continuar a gastar dez por cento mais do que produzimos. E será feita, seja por escolha nossa, seja por força das circunstâncias que acabarão por se nos impor, de uma forma a que poderíamos chamar “à bruta”.

Mas agora pode prolongar uma recessão…

É certo que terá um inevitável efeito temporariamente recessivo, embora este não tenha necessariamente de degenerar numa espiral deflacionista. E por isso é tão importante promover a competitividade da economia, para que, através desta, se possa gerar um compensatório impulso expansionista.O euro não deveria proteger-nos dos mercados?

O euro é obviamente uma protecção. Mas o euro também nos traz um perigoso elemento de complacência, permitindo que acumulemos desequilíbrios mais volumosos e durante mais tempo. Fomenta o adiamento de soluções, deixando que o problema se avolume, e assim aumenta os custos do ajustamento.

Acha que a Alemanha deixaria cair países como Portugal ou a Grécia?

É certo que tanto a Alemanha como outros países mais ricos e mais estáveis não deixarão de manifestar a sua solidariedade para minorar as consequências dos problemas dos países mais frágeis. Mas é preciso ter consciência de que essa ajuda não é ilimitada e que servirá sobretudo para dar mais tempo aos países com problemas para que os resolvam. Mas se estes não o conseguirem, não haverá nada que lhes possa valer.

Estamos perante uma ameaça para a integridade da zona euro?

Seria ilusório pensar que as fragilidades que estes países apresentam não constituem um problema para a coesão necessária ao funcionamento de uma união monetária.

Não vê os últimos acontecimentos como um sinal de fracasso do PEC?

O PEC e as autoridades europeias fracassaram quando foram complacentes com o seu não-cumprimento. Não agora, mas durante o “bom tempo” económico. Nessa altura, permitiram que países arrastassem défices nas suas contas e os mantivessem perto do limite máximo, coarctando, dessa forma, a sua margem de manobra para reagir a crises como a que temos estado a atravessar.

in Público