A arma fiscal não chega
Há ideias engelhadas pelas rugas por terem já uma idade respeitável, mas, à partida, o facto de terem falhado no passado não indica que não possam vir a funcionar no futuro. É o caso da nova tentativa de aliciar pequenas e médias empresas (PME) a abrirem o capital social e a pedirem a admissão à cotação em bolsa, desta vez através da adopção de incentivos fiscais.
O regime proposto no Orçamento do Estado de 2010 parece ter potencial para exercer magnetismo nos gestores e empresários que asseguram o maior volume de emprego no país. Aos benefícios em matéria de deduções no imposto sobre os lucros, somam-se os apoios nas despesas de adesão ao mercado de capitais e os incentivos para quem aposte as suas poupanças em acções de PME. Até aqui, tudo bem, caso se acredite que a perspectiva de redução da carga fiscal será suficiente para compensar o peso de alguns obstáculos que, há mais de duas décadas, têm deitado por terra as melhores intenções de governantes e responsáveis da bolsa portuguesa.
É um facto que as PME nacionais dependem quase exclusivamente do crédito bancário para se financiarem. Os sócios ou accionistas não têm recursos para injectar nos seus negócios mas a solução do crédito apresenta várias desvantagens. Uma delas está no facto de o risco destas unidades empresariais ser relativamente mais elevado, o que as força a financiarem-se junto dos bancos a preços penalizadores e a perderem competitividade por esta via.
Posto isto, a necessidade de diversificar o catálogo de soluções de financiamento é óbvia e urgente. Sempre foi. As dificuldades começam na cultura empresarial dominante entre as PME. Regra geral, os sócios não querem abrir as portas a investidores estranhos a quem têm de prestar contas e dar satisfações sobre a condução das empresas. Preferem permanecer sós e limitados à alternativa de se arriscarem a arranjar aquilo que acreditam vir a ser uma má companhia, no mínimo, incómoda. Estão no seu direito.
Segue-se a barreira constituída pelo valor reduzido dos capitais sociais a colocar em bolsa e pela escassa quantidade de acções disponíveis para serem transaccionadas pelos investidores. Os planos agora anunciados passam pela criação de um fundo destinado a contornar a potencial falta de liquidez que pode matar a bolsa das PME praticamente à nascença. Saber que existe um mercado dinâmico e fluido e que, por isso, se conseguem vender os títulos quando se decide aliená-los é um factor crítico para ter sucesso na criação de confiança entre os investidores, institucionais ou particulares. Se o fundo não for eficaz, o dinheiro dificilmente passará dos bolsos de quem o quer aplicar para os capitais próprios de quem o pretende rendibilizar.
A memória dos projectos de criação do “segundo mercado” que andaram a saltar de gaveta em gaveta desde os anos 80, obriga a que se saiba que os desafios de lançamento de um mercado para as PME são complexos. Esbarram no conservadorismo dos empresários e na prudência dos investidores. É certo que os incentivos fiscais são uma arma poderosa, como se verifica pelo sucesso de produtos de qualidade duvidosa que são subscritos com surpreendente voracidade porque permitem baixar a factura anual do Fisco. Mas são, também, apenas uma parcela da solução.
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