Segunda, 25 de Novembro de 2024 Adrego & Associados – Consultores de Gestão

Roubini: O remédio para o sul da Europa que se afunda

Nouriel Roubini explica, num artigo de opinião, a solução para os países do sul da Europa.

“Da resolução dos problemas da Grécia depende também o futuro dos seus vizinhos da zona euro, e talvez da UE.

Podemos ter evitado outra Grande Depressão mas a crise está longe de ter passado. O acesso ao crédito continua difícil e esse contágio está a alastrar-se a muitas áreas fortemente alavancadas da economia global: famílias, a braços com os empréstimos à habitação (Islândia, EUA, Reino Unido, Espanha, Irlanda, Europa Central e de Leste); bancos (Islândia, EUA, UE, Rússia e a antiga União Soviética); dívida quase soberana (Naftogaz da Ucrânia, Dubai World); e agora a Grécia e outros elos fracos da zona euro.

A Grécia há muito tempo que estava à beira do desastre, em virtude do seu elevado défice público e da fraca competitividade do país. Mas não está sozinha no meio de tudo isto. Da resolução dos problemas deste país depende também o futuro dos seus vizinhos, da zona euro e talvez da própria União Europeia.

A incontinência orçamental do lado da despesa e a falta de competitividade estão interligadas um pouco por todo o sul da Europa. A adesão ao euro e às “operações de convergência ” no mercado de especulação em alta fizeram com que a rentabilidade das obrigações de Portugal, Itália, Grécia e Espanha se aproximasse das obrigações alemãs, vulgo bunds. O boom de crédito daí resultante ajudou ao consumo mas mascarou a inflação dos salários, que ultrapassou o crescimento da produtividade, colocando a Grécia fora dos mercados de exportação tradicionais.

O excesso de burocracia e a rigidez no mercado laboral e nos mercados de produtos e serviços desencorajaram entretanto o investimento em sectores de forte valor acrescentado, isto apesar dos seus salários se situarem muito abaixo da média da UE. A mistura explosiva de grandes défices de contas correntes e orçamentais daí resultante conduziria a um aumento da dívida externa. A forte subida do euro em 2008-09 veio agravar ainda mais estes problemas.

À medida que a rentabilidade das obrigações começou a subir, a Grécia e os seus pares começaram a depararam-se com escolhas difíceis. A melhor solução seria seguir a Irlanda, a Hungria e a Letónia e adoptar um plano fiscal credível com uma forte componente de cortes na despesa controlada pelo estado, em vez de subida de impostos e medidas mais restritivas à compra e resgate de habitação, medidas historicamente mal vistas. Deste modo podíamos conseguir uma desvalorização interna com profundos cortes nos salários reais e reformas para reforçar a competitividade, como fez a Alemanha desde a unificação.

A opção mais fácil seria recorrer a engenharia financeira e a mecanismos fiscais, atrasando estes ajustamentos. Num cenário como este correria o risco de perder o acesso ao mercado, por volta de meados de 2010. A Grécia teria que se virar para os demais estados-membros para conseguir empréstimos directos (negados – pelo menos por agora); ao Fundo Monetário Internacional (opção posta de parte – para já); ou a credores não tradicionais, como é o caso da China (negado). E, em alternativa, podia desvalorizar, entrar em incumprimento ou redenominar o seu passivo num “novo dracma”, como fez a Argentina (impensável).

Um plano de austeridade credível reporia a solidariedade para com as economias da UE actualmente a proceder a ajustamentos, ajudaria a melhorar a retórica do Banco Central Europeu e dos principais estados membros e voltaria a colocar os spreads das obrigações gregas em patamares mais realistas. Esta abordagem está a funcionar na Irlanda – os spreads explodiram quando a dívida pública explodiu para salvar os seus bancos, mas voltaram ao nível normal no seguimento de cortes na ordem dos 20% despesa. Mas isto não é tarefa fácil: há uma década que Portugal, por exemplo, está em desinflação, de modo a poder reforçar a sua competitividade. E está na altura de tomar medicação de efeito rápido.

O ideal seria apoiar o ajustamento da Grécia através de um vasto programa do FMI, de modo a impedir um agravamento da dívida pública e da situação dos bancos nos tempos difíceis que estão pela frente. No âmbito de um plano centrado apenas na Europa, a Comissão Europeia podia acompanharia estes esforços de ajustamento, cabendo ao BCE emprestar dinheiro. E tal não seria imposta de forma condicionalaos estados membros, como o FMI faz normalmente. Mas a opção do FMI está posta de parte, uma vez que seria um sinal de fraqueza. Mas um plano centrado apenas na Europa podia ser visto como algo magicado pelas partes e os riscos para a Europa podiam ser muito elevados.

Fugir às necessárias decisões difíceis pode remeter-nos para uma verdade histórica bastante incómoda: nenhuma união monetária sobreviveu sem uma união fiscal e política. O contraste entre a zona euro e os EUA tornar-se-ia ainda mais acentuado. São muitos os estados norte-americanos actualmente a sofrer uma crise orçamental, mas os seus problemas locais podem ser resolvidos a nível federal. Quando tal não pode ser resolvido através de transferências é possível recorrer sempre ao capítulo no código de falências dedicado aos governos sub-federais. Mas a zona euro não tem estes mecanismos de partilha de fardos deste tipo.

A história dos demais países actualmente em situação semelhante é diferente em âmbito mas não em princípio. Todos estão fortemente alavancados – uma grande fonte de contágio financeiro. Em Espanha, tal como a Irlanda, o sector bancário está a braços com um elevado fardo de dívida, sobretudo dívida hipotecária. O seu modelo de crescimento – construção para fins residenciais movida por um forte boom no preço das casas – está defunto. Espanha precisa também de consolidação orçamental e de reformas estruturais para repor a sustentabilidade da dívida, revigorar o crescimento e reduzir uma taxa de desemprego que se situa nos 20%. O governo de Itália está fortemente alavancado, pelo que tem que cortar também na despesa para voltar a ser competitivo. Portugal precisa urgentemente de reformas estruturais para repor o dinamismo económico e a sua saúde orçamental.

A Grécia está assim na linha da frente, travando uma dura batalha para se manter na via exigida pela União Monetária Europeia. O compromisso político de cada país para com a zona euro mantém-se – veja-se o caso dos fortes cortes orçamentais da Irlanda; a dolorosa desinflação de Portugal; os fortes ajustamentos de países aspirantes ao euro como a Letónia e a Hungria. A ausência de uma união política e orçamental, a mobilidade limitada do mercado de trabalho e a livre circulação de capitais tornam estes ajustamentos cruciais para a viabilidade a longo prazo da zona euro.

O ideal seria apostar no desenvolvimento de regras formais de partilha do fardo em detrimento de medidas de salvamento. Caso contrário, as dúvidas quanto á sustentabilidade de UME voltarão a cada quebra na economia”.

* Nouriel Roubini é presidente e Arnab Das director de estudos de mercado Roubini Global Economics

Tradução de Carlos Tomé Sousa

in Diário Económico