Domingo, 24 de Novembro de 2024 Adrego & Associados – Consultores de Gestão

Chover no molhado

O Boletim de Inverno do Banco de Portugal provocou-me dois sentimentos. Um de resignação: a retoma económica vai ser muito lenta, ponto final.

O outro de surpresa: esperava que o emprego caísse, não esperava que caísse tanto. Os números agora publicados, ainda mais violentos do que os anteriores, sugerem a ideia de que entrámos numa câmara de horrores. Só não sei como sair dela.

Peguemos em 2009. Cruzando o emprego do Banco de Portugal, de 5.052 milhares, com a taxa de desemprego do Eurostat, de 10,3%, chegamos a uma população activa de 5.632 milhares, muito próxima da de 2008. Admitindo que esta população se mantenha, e com o emprego a cair mais 1,3% em 2010, o número de desempregados subirá para 646 mil, 11,5% da população activa – uma loucura. Atenção! Podemos estar à beira de um colapso social de consequências imprevisíveis.

Se as empresas ainda vão dispensar 66 mil pessoas este ano não é por prazer, mas por necessidade. É porque as suas estruturas estão sobredimensionadas face aos mercados em que actuam. E qualquer outra solução seria prejudicial para os dois lados: para as empresas, que aumentariam os custos relativos; e para os trabalhadores, que teriam um desemprego ainda maior. Só nos resta uma solução: criar os mecanismos que façam aumentar a procura.

A procura interna pode aumentar de duas maneiras: ou melhorando os rendimentos disponíveis ou baixando os preços de venda. Os primeiros exigem acréscimos substanciais de salários; os segundos pressupõem cortes violentos nos custos. Já o aumento da procura externa só conhece um caminho: a baixa de preços. Mas, entre as duas, creio que a escolha é hoje consensual: a aposta deve ser feita na procura externa, através da dinamização das exportações.

Uma outra forma de baixar os custos seria a via fiscal. Mas tem duas limitações: por um lado, é menos eficaz do que a anterior e, por outro, colide com o objectivo em curso de consolidação orçamental. E voltamos ao princípio. Quer dizer, por mais voltas que dermos à imaginação, e por mais ‘inputs’ que introduzirmos no modelo, o resultado não se altera: a saída da crise passa pela eficiência empresarial e pelos custos unitários de produção.

Como diriam os brasileiros, está a chover no molhado.

d.amaral@netcabo.pt
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Daniel Amaral, Economista

in Diário Económico