Portugal incapaz de crescer mais de 1% nos próximos anos
Portugal não se livra dos bloqueios de sempre: pouco competitivo, endividado, desemprego alto. O FMI acrescenta-lhe outro: a ligação a Espanha.
Algumas das reformas feitas nos últimos anos (no Estado e fora dele) foram importantes para dar músculo à economia portuguesa mas é preciso muito mais para o país se livrar dos bloqueios de sempre, revela o Fundo Monetário Internacional (FMI) no diagnóstico (relatório do Artigo IV) ontem divulgado.
Sem essas alterações profundas – na função pública, no mercado de trabalho, na postura dos consumidores e das empresas – Portugal só terá capacidade para crescer 1% ao ano, na melhor das hipóteses. Este valor é o potencial da economia, a capacidade de crescimento do país assumindo que usa bem e na totalidade os seus factores produtivos (capital e trabalho). Resultado: o desemprego só baixará ligeiramente porque cada vez mais gente fugirá do mercado de trabalho, devendo continuar perto dos 500 mil em 2013. Os quase 210 mil postos de trabalho destruídos pela crise no final de 2010 ficarão por compensar já que a criação esperada de emprego será de 115 mil até 2014.
O FMI faz, como tem sido hábito nos últimos anos, um diagnóstico sombrio do futuro da economia portuguesa. Esta deverá ter uma retoma ainda mais fraca do que se esperava. Este ano, o produto interno bruto (PIB) crescerá apenas 0,5% este ano (a previsão anterior era 0,4%), atirando o desemprego para os 11% da população activa. Nos próximos quatros anos, ou seja, até final da legislatura (2014), o crescimento real médio da economia não chegará a 1%, como aliás já previa o Fundo em Outubro.
Dúvidas nos défices Existem vários bloqueios que não deixam a economia crescer. À luz das discussões que manteve com o governo e o Banco de Portugal, o FMI considera que o défice público é um dos entraves que mais prejudica a competitividade do sector privado e a credibilidade do país, logo os juros pagos pelo endividamento público. O défice subirá este ano: em 2009 ficou em 8% do PIB, valor que inclui o uso de uma receita extraordinária no valor de 162 milhões de euros. Mas em 2010, o desequilíbrio das contas do Estado, que o governo garante começar a aligeirar já este ano, deverá atingir os 8,6%. O FMI explica que “mesmo assumindo um controlo mais apertado da despesa” o défice deverá subir. E avisa que “as políticas actuais não são suficientes para alcançar a meta de défice de 3% em 2013″, como combinado com a Comissão Europeia.
Ventos de espanha A retoma, explica a instituição, está bloqueada pelos factores estruturais do costume: além do endividamento elevado da economia (Estado e privados) e da fraca competitividade das empresas, o FMI destaca ainda a forte ligação económica e financeira a Espanha. Esta vulnerabilidade tem sido sublinhada por economistas nacionais, mas nas análises do FMI a referência é rara. Os economistas da instituição alertam que a retoma portuguesa – que terá de ser puxada pelas as exportações para ser sustentável – poderá ser prejudicada caso a economia espanhola vacile na sua própria recuperação, risco que não excluem. Espanha é “o parceiro comercial chave” de Portugal: compra entre 25% a 30% das exportações nacionais, explica cerca de 15% das receitas turísticas e outros 15% das exportações de serviços. Além da componente comercial, existe uma ligação bancária umbilical: 30% das reclamações financeiras feitas pelos bancos portugueses junto do estrangeiro (na sequência de incumprimentos, por exemplo) foram junto de instituições espanholas.
Jorge Braga de Macedo, ex-ministro das Finanças, considera que “é muito interessante que, pela primeira vez, o FMI analise o impacto de Espanha, chamando-lhe abafador”. “Se, de facto, a crise em Espanha for tão má como parece, isso afecta Portugal”, lamenta.
O FMI assume que, mesmo com algumas reformas em curso e com alguns ajustamentos forçados, e sem considerar um cenário de ruptura, os portugueses vão experimentar vários anos de uma quase estagnação do consumo privado, uma grande moderação no recurso ao crédito e uma estagnação nos ganhos de poder de compra dos seus salários. Os salários reais médios (que incorporam já o efeito da inflação) vão ficar sem alterações este ano e até 2014.
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