O défice ao espelho: não havendo uma solução boa, qual será a menos má?
A dívida continuará a aumentar, atingindo 90% do PIB em 2013. O que levanta um problema adicional: a consolidação vai ter de prosseguir.
A minha posição sobre as finanças públicas é conhecida. Penso que o controlo orçamental é hoje um objectivo incontornável para o país e, nesse sentido, deveria ser objecto de um acordo maioritário no Parlamento. Mas também reconheço que, no estado de debilidade em que a economia se encontra, pretender que a consolidação se faça num horizonte de quatro anos é de uma violência inaudita. Daí o meu desencanto face à aparente resignação com que o Governo aceitou a obrigatoriedade de colocar o défice abaixo dos 3% do PIB até ao final de 2013. Seja como for, a responsabilidade está assumida e agora não temos mais do que lidar com ela.
Nos últimos dias, temos tido sinais claros no sentido de que o Orçamento-2010 vai ser viabilizado, que mais não seja através da abstenção do PSD e do voto contra da restante oposição. Confesso que nunca esperei outra coisa. Mas a luta vai ser renhida: de um lado o PS, com o argumento de que ganhou as eleições e, a essa luz, não aceita que lhe “desvirtuem” o orçamento; do outro as oposições, ao denunciarem a “arrogância” dos que ainda não perceberam que a maioria se esvaiu. Deixemo-los entretidos, se isso lhes dá prazer.
Como escrevi neste jornal na última sexta-feira, decidi entrar abertamente no debate e colocar a mim próprio esta pergunta: qual o caminho a seguir para trazer o défice abaixo dos 3% em 2013? Ou, por outras palavras, não havendo uma solução boa, qual será a menos má? A resposta está no quadro junto, que vou comentar a seguir.
O primeiro passo consistiu na definição do quadro macroeconómico para a legislatura. E a opção foi não inventar muito: tomei como boas as projecções da Comissão Europeia até 2011 e, a partir daí, assumi como provável uma ligeira melhoria no crescimento, a par de um deflator implícito próximo daquele que é o objectivo europeu (2%). Tudo ponderado, chegamos a um crescimento nominal do PIB de cerca de 12% ao longo da legislatura, 2,8% em média por ano. Creio que seria imprudente ir mais além.
O passo seguinte foi calcular as receitas. Não dispondo de informações internas actualizadas, assumi como boas as da Comissão Europeia, que apontam para 43,6% do PIB em 2009. A seguir, e depois dos necessários ajustamentos nas várias rubricas, considerei para todas elas um crescimento em linha com o crescimento do produto. Na actual situação, penso que não seria razoável forçar a nota. Excepcionalmente, admiti ainda o aumento do IVA, de 20% para 21% – o único elemento que permitiu elevar o peso das receitas no PIB para 44% em 2013.
No caso das despesas, que terão atingido 51,6% do PIB em 2009, assumi o seu congelamento ao longo dos quatro anos, com duas excepções: os juros da dívida e as despesas de capital, que incluem o investimento. No caso das despesas de capital, e a exemplo do que fizera com as receitas, admiti um crescimento em linha com o crescimento do produto. Já no caso dos juros, que dependem do endividamento, optei por manter a taxa média implícita no ano anterior, sem qualquer penalização. Deste modo, o peso das despesas no PIB caiu para 43,8% em 2013.
Ainda assim, o resultado não deixa de ser frustrante. Apesar do crescimento razoável, do aumento do IVA e do congelamento da generalidade das despesas – o défice de 2013 ainda está em 3,8% do PIB. Precisamos de mais €1.500 milhões para atingir os malditos 3%! Há então que voltar às despesas – não para as congelar, porque já o fizemos, mas para as reduzir. Hipóteses possíveis:
1) Dispensar 8% dos trabalhadores da função pública ou baixar os salários na mesma proporção;
2) Baixar todas as prestações sociais em 4%;
3) Alienar activos ou realizar outras operações equivalentes.
De referir ainda que, apesar desta substancial melhoria do défice, a dívida continuará a aumentar, atingindo 90% do PIB em 2013. O que levanta um problema adicional: a consolidação vai ter de prosseguir. É um cenário de loucos.
Que pensará disto o Governo? E as Oposições?
Será que ainda vão exigir a baixa de impostos, a antecipação de reformas e o aumento de salários e de pensões
Daniel Amaral, economista