Sexta, 18 de Outubro de 2024 Adrego & Associados – Consultores de Gestão

“As pensões podem ser financiadas por impostos indirectos”

É preciso aliviar os encargos das empresas e equacionar  o financiamento das pensões por impostos indirectos. Ainda que isso implique a subida do IVA, defende Silva Peneda, novo presidente do CES.

A reforma da Segurança Social baseou-se num acordo de concertação social. Até quando é que a sustentabilidade está garantida?

A reforma é positiva do ponto de vista financeiro. As pensões serão mais pequenas mas está a assegurada a sustentabilidade financeira. Mas há outra questão de fundo, que tem a ver com o financiamento. A Segurança Social é sobretudo financiada pelo factor trabalho. Isto fazia sentido numa época de trabalho intensivo. Agora imagine uma rua onde de um lado tem uma fábrica têxtil de mão-de-obra intensiva e do outro lado há uma empresa tecnologicamente evoluída, com dois ou três engenheiros. A primeira desconta mais, mas a outra tem maior valor acrescentado bruto (VAB). Reduzir a taxa [social única] seria uma forma de incentivar o emprego. Mas a Segurança Social tem que ter uma substituição e os impostos indirectos seriam uma via. Valeria a pena estudá-lo. A Dinamarca está a fazê-lo.

Porquê os impostos indirectos? O PCP dá o mesmo exemplo, mas propõe que as contribuições incidam sobre o VAB.

Vale a pena equacioná-lo. Mas o que me parece é que seria bom desonerar o factor trabalho como único factor a contribuir para a Segurança Social. Seria positivo em termos de criação de emprego, de justiça social e de competitividade.

A Segurança Social já é parcialmente financiada pelo IVA.

Mas eu estou a pensar no financiamento do regime de pensões.

Mas para isso teríamos que aumentar impostos. Está a falar em subir o IVA e descer taxas contributivas?

Por exemplo. Mas não estou a propor nenhuma receita definitiva. Creio é que devia ser estudado.

Defendeu que a sustentabilidade depende de instrumentos complementares às pensões financiadas pelo Estado.

Estamos a falar de esquemas complementares. Há países, como a Holanda, em que há uma tradição de não apostar apenas no sector público da Segurança Social. São experiências bem sucedidas. O Estado não pode demitir-se da responsabilidade de assegurar o que são direitos individuais. Mas a forma como o Estado gere essa questão, se decide fazê-lo por sua conta ou conceder a gestão de parte do sistema a outras entidades, é um problema que legitimamente terá que decidir.

A reforma em vigor determina maiores penalizações para os mais jovens. É justo?

Depende. Se o crescimento económico do País continuar assim, isso é verdade. Mas se o País começar a crescer mais, não será assim.

O cenário optimista parece-lhe o mais provável?

Neste momento, não. Julgo que vamos ser penalizados pela escassez de crédito e por crédito muito caro. Uma das formas de evitar esse cenário seria tentar forçar que a União Europeia tivesse uma única entidade emitente de dívida pública, com um único rating.

É uma proposta viável?

A Europa foi criada sempre na base de algumas utopias. Isto tem sido discutido e há resistências. Mas tudo é negociável.

Defendeu a participação dos trabalhadores nos lucros. A concertação social deve discutir novas políticas de rendimentos?

A política de rendimentos é normalmente relacionada com a inflação esperada e os ganhos de produtividade. Mas pode haver formas de atribuição de remunerações diferidas no tempo, relacionadas com o lucro, incentivadas por benefícios fiscais. Mas não me passa pela cabeça que vou, como presidente do CES, tentar implementar todas essas ideias. São propostas que fiz em determinada altura.

Os baixos salários em Portugal são um problema ou uma vantagem?

São um problema, desde logo porque significam baixas qualificações e maior rigidez. Quem é inseguro e tem medo, não é flexível. Estou a pensar em regiões do País como o Vale do Ave, com um desemprego altíssimo e falta de alternativas. São potenciais locais de explosão social.

in DN Economia